"Não é na resignação, mas na rebeldia, em face das injustiças, que nos afirmamos" Paulo Freire

quinta-feira, 22 de julho de 2010

“Ser cidadão não é viver em sociedade, mas transformá-la”

Texto publicado no Jornal A Verdade, do MLB – Movimento de Luta nos Bairrros, Vilas e Favelas
Onde está a sociedade está o Direito? Ensinam esta frase ao aluno que entra na universidade, mas esquecem sua verdade ao longo do curso: esquecem que o Direito vive e encontra razão de existir na sociedade, não pode dela se distanciar.
Porém, a universidade forma estudantes competentes na interpretação de códigos e incompetentes para interpretar a realidade.
O conhecimento produzido não é voltado para a melhoria das condições de vida daqueles que o financia. Os contribuintes, portanto, não recebem o devido retorno, pois a educação se faz distante e descompromissada com as preocupações sociais e com a função social que a universidade deve ter.
O Programa Lições de Cidadania constata isto para intervir, não para se adaptar. É necessário que se pergunte: Para quem estudamos o Direito? Contra o quê estudamos e como devemos nos colocar? O que é, afinal, o Direito: instrumento de controle ou de transformação social?
Nenhuma realidade é imutável, nada é de tal modo porque assim está escrito que deve ser. Por sermos sujeitos ativos, não é possível ter uma postura neutra e apática frente ao mundo, pois entendemos que esta é uma forma cômoda e hipócrita de silenciar-se frente às injustiças, incondizente com a necessidade de lutar para mudar a realidade que não convém.
Com base nisto, o Lições de Cidadania promove a rebeldia – e não a resignação – para a superação das desigualdades sociais e das violações aos direitos humanos com que nos deparamos na sociedade.
Através da denúncia destas situações, instiga-se a justa-ira para mobilizar e organizar a luta pela concretização dos direitos prometidos pelo Estado, pois os direitos não são favores ou esmolas, mas deveres e obrigações aos quais o Estado deve respeitar e promover.
Atualmente, o Lições de Cidadania conta com 4 núcleos, divididos por zonas de atuação: Urbano (atuando no Conjunto Habitacional Leningrado e em Mãe Luiza); Rural (atuando nos assentamentos rurais de Caracaxá e Resistência Potiguar); Penitenciário (Presídio de Alcaçuz) e EDHUPIN (Educação em Direitos Humanos Popular Infantil, atuando junto aos demais núcleos, visando as crianças e os jovens das comunidades).
Decidimos romper com a educação tecnicista da Universidade, pois a mera leitura e reprodução dos códigos não é capaz de exprimir a complexidade da vida social dos autos dos processos e não permite conhecer as vidas injustiçadas existentes por trás destes conflitos.
As comunidades têm um conhecimento de eficácia, validade e vivência dos direitos que mil páginas de códigos não ensinam. A Constituição Federal, carta política que promete várias prestações do Estado para a sociedade, diz que devem ser garantidos, entre outros, a educação, a saúde e a moradia.
O que observamos no dia-a-dia, contudo, é a luta diária dos movimentos sociais para ter acesso e concretizar estas promessas. Por isso, acreditamos ser legítima a luta dos movimentos sociais perante a qual não podemos nos separar ou ficarmos inertes, mas sim lutar para superar as contradições do sistema em que estamos inseridos – e não se retirar desta luta, mas somar.
Observamos, contudo, o descaso de um Estado ausente. Constatamos que consideram muito entregar a casa, mas não basta apenas isto – é preciso uma infra-estrutura que promova condições dignas de vida.
É preciso transporte, que chegue às comunidades e promova a locomoção do trabalhador, para obter sua renda, e das crianças para a escola, a fim de que tenham acesso à educação.
É preciso que a saúde seja garantida, por meio de postos de saúde, campanhas de vacinação, presença dos médicos, ambulâncias que atendam as emergências quando requeridas e que não falte medicamentos à população.
É preciso segurança, vigilância que respeite a dignidade dos moradores, que não devem ser tratados como réus, mas como pessoas.
O Lições de Cidadania elabora sua ação em cima de dois pressupostos: a educação é uma forma de intervenção no mundo e; o primeiro passo para exercer um direito é conhecê-lo.
A partir disto, é preciso promover encontros de educação jurídica popular, voltados à transformação, à crítica, à decisão – e não a serviço da imobilização, da acomodação e da permanência das injustiças.
A educação popular deve ser feita com base na doutrina de Paulo Freire, pois acreditamos que esta ensina o necessário respeito ao saber da comunidade, ao conhecimento que decorre da vivência e da luta, que os códigos não ensinam e, a partir de entrevistas e questionários feitos aos moradores, os encontros se pautam focando as dificuldades e lesões aos direitos da comunidade, com o intuito de superá-las.
O Lições de Cidadania acredita no diálogo com respeito à identidade e autonomia do grupo social a quem nos dirigimos, para ter um franco debate sobre os problemas da comunidade e assim encontrar em conjunto as suas soluções, para que a educação, através do ensinamento que capacita a defesa dos direitos, torne-se capaz de transformar o meio social.
O Lições de Cidadania, então, rompe com os muros que distanciam a universidade da sociedade, encontrando os movimentos sociais por acreditar na legitimidade de suas causas.
Mais que isto, os movimentos sociais são chamados para dentro da universidade, para ter voz, ser ouvidos e suas causas serem conhecidas – espaço raramente conferido pela mídia, que se encontra a mercê dos interesses das elites dominantes, indiferentes às massas oprimidas.
Por fim, o Programa Lições de Cidadania concretiza um movimento de contra-cultura na universidade, pois acredita que o Direito é um instrumento de transformação social, junto à educação que conscientiza e critica, que atua pela mudança e superação das violações desumanizantes com as quais os movimentos sociais cotidianamente se deparam, a fim de que, um dia, a lição da sala de aula seja verdadeira e assim se concretize na prática um Direito achado na rua, na sociedade – alinhado com a Justiça.
Lucas Sidrim Gomes de Melo,
Secretário do Programa Lições de Cidadania